Projeto estabelece limites obrigatórios de emissões e um sistema de comercialização de permissões de emissão semelhante ao europeu
O governo apresentou sua versão do projeto de lei que institui no país um mercado regulado de carbono para impor limites compulsórios de emissões de gases de efeito estufa para setores e empresas.
Depois de pelo menos cinco PLs e mais de três anos de idas e vindas, a expectativa é que a legislação seja finalmente aprovada, como um componente do chamado Plano de Transição Ecológica.
O projeto prevê a criação de um sistema conhecido como cap-and-trade, semelhante ao que vigora na União Europeia desde 2005. Os ativos de carbono são definidos como ativos mobiliários – sob o guarda-chuva da CVM – o que permite a criação de novos produtos financeiros.
Os direitos de populações indígenas e tradicionais, muitas vezes afetadas por projetos de geração de créditos de carbono do mercado voluntário, também estão contemplados no texto.
“Achei um texto muito bom do ponto de vista técnico. É a melhor versão das que já vimos até agora”, diz Caroline Dihl Prolo, advogada especializada em clima e colunista do Reset.
“São mais pontos positivos que negativos. E muito importante: não tentaram reinventar a roda. O texto se inspirou nas experiências de outras jurisdições.”
O funcionamento do mercado regulado
O ponto central do projeto, apresentado como substitutivo do PL-412 e relatado pela senadora Leila Barros (PDT-DF), é o mecanismo do mercado regulado de carbono e sua governança.
O órgão regulador – batizado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, ou SBCE – fica responsável por determinar os setores da economia sujeitos a tetos de emissões e por conceder (ou vender em leilões) permissões de emissão às empresas.
Cada uma dessas autorizações de emissão, chamadas de Cotas Brasileiras de Emissões (CBE), equivale a uma tonelada de CO2 ou o equivalente em outros gases de efeito estufa.
Se a companhia emitir mais que as CBEs que tem em mãos, precisa ir ao mercado adquirir Certificados de Redução ou Remoções Verificadas de Emissões para fechar a conta.
A empresa que emitir menos do que tinha direito – ou seja, tiver uma sobra de CBEs – pode vender o excedente para outra que esteja com saldo negativo.
Os primeiros alvos dos mercados regulados usualmente são as indústrias mais poluentes, tais como siderurgia, cimento e petroquímica. Mas o PL ainda não definiu setores, algo que ficará para a fase de regulamentação da lei.
“Parece algo deixado de fora propositadamente, pois ainda haverá muito debate sobre isso”, diz Renata Amaral, sócia do escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe e especialista em meio ambiente.
Ela menciona o agronegócio. De um lado existe pressão para que as emissões do campo sejam limitadas; de outro, há uma resistência enorme tanto dos produtores quanto da bancada que representa esse interesse no Congresso, argumentando que o setor não é regulado em lugar nenhum do mundo.
Mas há uma referência no texto do PL a dois patamares numéricos de emissões (em milhares de toneladas de CO2 equivalente emitidas anualmente, ou tCOe).
Quem passar do primeiro deles – 10 mil tCO2e – teria a obrigação de apenas prestar contas. Já o segundo – 25 mil tCO2e – implica imposição de limites, dependendo de condições como setor de atuação, tamanho da empresa e assim por diante.
“Esse segundo threshold está em linha com o do mercado europeu, então parece fazer sentido se olharmos para a experiência internacional”, diz Amaral.
Uma potencial diferença do modelo brasileiro em relação a outros mercados regulados é a possibilidade de uso de créditos de carbono do mercado voluntário nessa conciliação. Mas isso ainda não está totalmente claro.
O texto afirma que créditos de desmatamento evitado, de longe os mais comuns no país hoje, podem ser utilizados desde que suas metodologias sejam credenciadas pelo órgão regulador.
O projeto menciona que devem ser observados “os limites estabelecidos no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e as diretrizes da Comissão Nacional para REDD+ (CONAREDD).”
Prolo afirma que esta redação não permite afirmar com segurança se os projetos realizados principalmente na Amazônia poderão ser comercializados no SBCE.
A governança
O mercado regulado proposto pelo projeto de lei conta com três instâncias de governança.
A primeira é o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, responsável pela definição das diretrizes gerais e pela adequação das metas de redução aos compromissos assumidos pelo país perante a Convenção do Clima.
A operação fica a cargo do comitê gestor, o órgão que vai definir os limites de emissões e distribuir as cotas. Cabe também ao comitê garantir que o mercado atinja seu objetivo principal.
Os responsáveis pelo Emissions Trading Systems, da UE, já foram forçados a reduzir a concessão de permissões com o objetivo de aumentar o preço do carbono e, portanto, incentivar os participantes a buscar cortes.
Analistas esperam que o preço médio de uma tonelada de CO2 fique em € 85,6 este ano e em € 92,3 em 2024, de acordo com um levantamento da Reuters. Em 2021, a tonelada do era negociada em torno de € 60.
Entidades setoriais, cientistas e representantes da sociedade civil compõem um grupo técnico permanente, terceira instância de controle do SBCE.
Embora o projeto esteja bem desenhado, ainda vai levar tempo para que o mercado regulado brasileiro efetivamente funcione.
Mesmo que haja uma aprovação rápida no Congresso, a regulamentação da lei pode levar até dois anos. Depois disso, nos dois primeiros anos de vigência, apenas serão exigidos relatos de emissões. As obrigações de corte das emissões propriamente só entram em vigor após esse prazo.
“Uma analogia que costumo fazer é com o RenovaBio”, diz Luiz Gustavo Bezerra, advogado do escritório Tauil & Chequer. “A lei da Política Nacional de Biocombustíveis é do final de 2017, mas as primeiras negociações de CBIOs só vieram a ocorrer em 2020, dois anos depois de a lei ser publicada.”
Fonte: Capital Reset
Foto de capa: Tatiana Grozetskaya